quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Aldeia, quantas como tu?

Era uma vez uma aldeia distante, cuja população vivia descontente devido às más condições de vida.
Nessa aldeia a população escolhia de livre vontade o conselho de administração a cada quatro anos, mas a cada eleição a vida das pessoas piorava gradualmente. Como era uma aldeia antiga e conservadora, eram principalmente as várias famílias que se candidatavam ao conselho. Por isso, cada conselho de administração era, na prática, uma família da aldeia.
Apesar de haver liberdade de voto, nos últimos 50 anos todos os conselhos tinham sido formados por apenas duas famílias. A razão era por questões históricas. Acontece que 50 anos atrás a aldeia era governada por um rei muito mau, severo e que ignorava as necessidades da população. Tinha uma vida confortável, de luxo e de fartura enquanto as pessoas lutavam para se manterem vivas. Na época, duas famílias uniram-se secretamente para conspirar contra o rei e para o depôr. Ao longo de meses planearam uma forma de se livrarem do rei, até que numa noite invadiram o palácio, neutralizaram os guardas e prenderam o rei. Este seria expulso da aldeia com uma mão à frente e outra atrás literalmente...
Assim, as duas famílias ganharam enorme prestígio na aldeia e, por isso, a população confiou-lhes o poder de governar, tal era o entusiasmo pelo final do reinado. Mas rapidamente as duas famílias aprenderam a apreciar o poder e começaram a usá-lo para proveito próprio. De vez em quando a população ficava insatisfeita com uma das famílias e elegia a outra para o conselho. Mas algum tempo depois novamente a família no poder demonstrava aproveitar-se da sua posição para obter luxos e regalias. Durante 50 anos as duas famílias alternaram no conselho, fingindo defender a população, sendo que na realidade apenas lutavam entre si na busca da posição mais alta. 

No presente, a população já não sabia como actuar. Outras famílias mais modestas procuravam eleger-se, mas muitos só tinham conhecido as duas famílias no poder e, apesar de tudo, não confiavam em mais nenhuma no dia da eleição. Alguns ainda tinham a nostalgia do dia em que o rei tinha sido deposto e ainda viam as duas famílias como dignas de comandar a aldeia. Outros, mais novos, não tinham essa memória. Somente sentiam que devia haver melhor. Que podia ser melhor...e não era. Viam as famílias mais pequenas de boa fé a tentar ajudar a aldeia, mas as duas famílias principais eram mais influentes e faziam crer a todos os outros que só cada uma delas é que tinha condições para pertencer ao conselho. "As outras famílias", diziam, " nunca fizeram nada pela aldeia, não saberiam como governar a aldeia." Argumento fraco, mas forte para os de fraca compreensão. Um acto bom não dura para sempre. E não dá permissão para actos menos bons que se lhe sigam. E as outras famílias não têm experiência (nunca lhe deram uma oportunidade), mas têm boa-vontade, motivação e desejo de partilhar com todos os recursos da aldeia e de dar uma vida digna a toda a população. A realidade é que as duas famílias já não tinham o espírito de há 50 atrás...

Aproximava-se o dia das eleições para o conselho seguinte, e de boca em boca passava a ideia de que a família do conselho seria derrotada, dando lugar à outra família principal. Não que a outra família fosse melhor, mas porque estavam fartos da actual. Cada família insultava-se mutuamente, lembrando cada erro do passado e, a população, como criança assistindo a uma discussão dos seus pais, observava silenciosamente, sentindo a sua insignificância e conformada de que nada iria mudar...

Como esta aldeia e esta população, há muitas mais. Mas tal como o rei foi afastado e o poder renovado, também a vida nesta aldeia será renovada. E eu ainda estarei cá para assistir a essa mudança.

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