quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Houve tempos em que o emprego era para toda a vida...
Depois, talvez a partir dos anos 90, começou a instalar-se a ideia de que essa concepção estaria desactualizada e que cada emprego duraria 10 anos, 5 anos ou até menos. No fundo, vários empregos ao longo da vida.
Percorrendo a década de 90 e os primeiros anos do século XXI, observámos as pessoas a mudarem de emprego com mais frequência, a cada 2 ou 4 anos, na perspectiva de melhorar o seu vencimento ou as condições de trabalho no seu todo ou ainda na busca de tarefas mais desafiantes.
Hoje, e desde há alguns anos, temos vindo a aproximar-nos do outro extremo (1), ou seja, o emprego que dura meses, 1 ano ou no máximo 2 anos. "O que se passou aqui?", podem perguntar alguns. A resposta certa é habitualmente a soma de vários factores. A chamada "crise" é um deles. As alterações ao Código do Trabalho também pode ser outro. Ou até a falta de confiança/vontade das empresas para contratar recursos sem termo. Mas há mais um factor que me parece ter intensificado esta tendência: os estágios profissionais de 12 meses comparticipados pelo IEFP. Pois é. Esta medida que aparentemente iria estimular as empresas a contratar jovens (e não só), inserindo-os no mercado de trabalho e rejuvenescendo as empresas, está a ser utilizada de forma perversa pelas empresas. Será que os autores desta medida  consideraram a cultura empresarial que vigora em muitas das organizações?
De forma resumida, vamos lá perceber o que está a acontecer. "Eu tenho uma empresa e preciso de uma pessoa para trabalhar, contrato um jovem que seja elegível para o estágio comparticipado, pago-lhe 45% (2) do ordenado e após 12 meses mando-o embora e volto a contratar outro jovem nas mesmas condições. Isto indefinidamente... Sou um empresário mesmo inteligente." Pois, és um empresário estúpido (3) e com falta de visão. E porquê? É que estes jovens que andam por aí em empregos de 12 meses vão crescer, deixar de ser jovens e ainda deixam de ficar elegíveis para o tal estágio após alguns anos. Vão estar anos com empregos instáveis, a receber ordenados que não ajudam a construir uma vida (e muitas vezes uma família) (4), valorizam-se pouco porque vão estar pouco tempo na função (insuficiente para consolidar a experiência) e no fim nem sequer são contratados.
Os empresários que têm este tipo de actuação estão a prejudicar-se a eles próprios, pois estão a contribuir para uma sociedade mais frágil, baseada em vencimentos baixos e em pessoas com pouca esperança no futuro (5). Eles próprios receberão reformas da Segurança Social (esperemos que sim) cujos montantes serão provenientes de pessoas como estes seus empregados. E se houver muita gente com vencimentos baixos, vão contribuir com menos para os senhores empresários. E se houver muita gente na idade activa sem emprego (porque os jovens entram e os outros são considerados velhos), vão contribuir com menos para os senhores empresários. Parabéns, é este o resultado.
Mas isto não deve afectar certos empresários, dado que aquilo que pouparam com este tipo de actuação, permitirá assegurar os anos finais. Mas devia afectar, porque estes empresários também são pessoas, também têm filhos, também têm netos. E todos estamos ligados de alguma forma.

Penso que a ideia está transmitida.

E como para um problema tem de haver uma proposta de solução (6), vou enumerar alguns pontos para consideração de quem contrata jovens ou pessoas com outros perfis para estágios do tipo que referi:
  1. Assumir que está a contratar alguém para um período relativamente longo. A pessoa contratada tem de sentir que está numa empresa que lhe proporcionará um futuro e que só sairá em caso de incompetência, falta de profissionalismo, falência da empresa ou outra razão mais extrema e compreensível. A pessoa contratada vai demonstrar mais compromisso com as tarefas executadas, estará mais motivada, irá indirectamente motivar os colegas e contribuir para um melhor ambiente na empresa, adquirirá um conhecimento mais profundo do negócio da empresa, transmitirá uma boa imagem da empresa para o exterior e será mais feliz também junto dos seus amigos e familiares.
  2. Reconhecer que o efeito em cadeia de contratar barato por curtos períodos de tempo e usar as pessoas como componentes facilmente substituíveis tem um custo elevado tanto para a empresa como para os contratados e para a sociedade em geral. O custo monetário de curto prazo é só um dos custos. E talvez o menos relevante. Será que um contratado com os dias contados vai conseguir dar o seu melhor? Há pessoas que conseguem, mas devem ser uma minoria. Será que uma empresa que substitui pessoas com tanta indiferença transmite uma boa imagem aos recursos já efectivos? Os efectivos sentir-se-ão realmente seguros? E os custos de não se poder planear a vida, por instabilidade na carreira?
  3. Após o tempo de estágio (ou ainda antes se já for possível reconhecer o valor da pessoa), preparar um plano de inserção efectivo na empresa. Muitas vezes as empresas são pequenas e o plano pode-se traduzir numa pequena conversa entre empregador e pessoa contratada sobre a sua continuidade. Por exemplo, a pessoa contratada passará a desempenhar uma nova função, pois o estágio já a preparou para isso ou manterá as funções actuais, pois a pessoa é mesmo necessária e demonstra boas capacidades.
  4. Substituir a mentalidade "exploradora" (de explorar os empregados) por uma mentalidade win-win entre empresa e empregados/colaboradores. O estagiário precisa de emprego, vai ser remunerado e adquirir experiência, mas a empresa vai ter um conjunto de tarefas executadas e o seu negócio é beneficiado. O ponto 1. já lista alguns dos benefícios derivados dessa mentalidade.
  5. Durante o estágio, o estagiário tem de sentir que faz parte da empresa e que não é um outsider. O sentimento de pertença é hoje muito relevante no ambiente de trabalho. A falta deste sentimento combinado com outros factores pode fazer a pessoa desejar sair do local de trabalho.
Qual é a vossa opinião em relação a estes estágios?

Notas:
(1) O primeiro extremo é o emprego para toda a vida.
(2) Ver "Ficha Síntese Estágios Emprego" em https://www.iefp.pt/estagios
Ficha Síntese Estágios Emprego
Ficha Síntese Estágios Emprego
(3) Ao reler a frase substituir por "explorador sem vergonha".
(4) Isto também justifica o porquê de muitos jovens (e menos jovens) ainda viverem com os pais e de eles próprios serem pais mais tarde (ou nunca). Aqui chegamos a uma cadeia de problemas que geram outros problemas: emprego instável -> constituição de família tardia -> (pais e mães mais velhos + taxa de natalidade baixa + falta de capacidade financeira para adquirir habitação -> menos vendas de habitações + menos pessoas a contribuir para a Segurança Social -> tantos problemas derivados dos anteriores...
Ah, e até é benéfico que os jovens e os seus pais possam passar mais tempo juntos, mas não é saudável quando a origem é uma situação próxima da pobreza...
(5) Em Portugal, muitas ofertas de emprego restrigem os candidatos pela idade, sendo que pessoas com mais de 30/35 anos já ficam de fora. Se a pessoa não tiver construído um CV sólido e atractivo até estas idades como é que poderá ter esperança no futuro?
(6) A maioria das pessoas tem por hábito só fazer 50% do trabalho, ou seja, queixam-se infinitamente do problema, enumeram todos os pontos negativos, as suas insatisfações, esperneiam e esbracejam de todas as maneiras e, depois...nada. Soluções é o que queremos.

P.S. - Os empregos via empresas de trabalho temporário também estão a dar cabo da sociedade. Talvez um tema para um outro tópico.

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